segunda-feira, 6 de março de 2023

Conceitos Introdutórios Sobre as Pulsões em Sigmund Freud



Em primeiro lugar, é necessário destacar que o conceito das pulsões desenvolvido por Sigmund Freud não é fruto de um trabalho de observação do comportamento humano. Em vez disso, é resultado da organização de um modelo explicativo de processos psíquicos, um modelo de contato entre o psíquico e a realidade. Assim, é justo dizer que a teoria das pulsões não foi desenvolvida com base em dinâmicas experimentais, mas a partir de axiomas propostos por Freud.

Ainda em caráter introdutório, também é necessário destacar que Freud não ficou plenamente satisfeito com suas próprias definições sobre o assunto. As coisas que ele escreveu sobre o tema não foram suficientes para explicar tudo o que Freud tinha em mente acerca das pulsões. Por outro lado, mesmo não tendo ficado totalmente confortável com as coisas que escreveu e explicou, Freud sempre deixou clara a centralidade que o conceito ocupava em suas teses.

O termo que foi traduzido para o português como pulsão vem do alemão Trieb. Trieb tem uma série de significados e é utilizado corriqueiramente no idioma alemão. Dentre seus significados, estão os seguintes: força, impulso, vontade, pressão, aquilo que move e impulsiona, etc.

Então, se há tantos significados para o termo, qual a razão de, em português, ele ter sido traduzido como pulsão? A resposta para isso não está propriamente no alemão, mas nas traduções dos textos de Freud para o inglês e francês.

Nos textos em inglês, a palavra Trieb foi traduzida inicialmente por instinct – que em português é instinto. Nos textos em francês, a palavra Trieb foi traduzida por pulsion – que em português é pulsão.

No entanto, aos poucos, os termos instinct (ing.) e instinto (port.) começaram a ser abandonados, pois não estariam em conformidade total com a maneira como Freud empregou a palavra alemã Trieb. Algumas das razões principais para isso são as seguintes: o termo instinto também é usado para estímulos que, depois de atendidos, são saciados por completo (como, por exemplo, a fome). Sendo assim, não poderia ser utilizado para a teoria de Freud – que tratava de estímulos que não poderiam ser saciados por completo.

Outra razão para o termo instinto não ser o mais apropriado é o fato de ele também ser utilizado em relação aos animais. Sendo assim, como a teoria
de Freud está tratando de estímulos exclusivos do psiquismo humano, foi necessário reconhecer que o termo instinto não poderia representar com precisão o Trieb do qual Freud estava falando. Por conta disso, em inglês, Trieb passou a ser traduzido por drive, e em português passou a ser traduzido por pulsão.

É verdade que o próprio Freud utilizou as palavras alemãs instinkt (instinto) e reiz (estímulo) como sinônimos de Trieb em alguns trechos de sua obra. Porém, trata-se de exceções.

Sobre a pulsão, é fundamental esclarecer que, segundo Freud, sua origem não está no psíquico, e sim no somático. As glândulas e órgãos do corpo estão diretamente envolvidos nas origens da pulsão. Por outro lado, a pulsão vai exigir uma reação do aparelho psíquico, uma resposta ao seu desejo de ser saciada. Além do mais, apesar de ser exterior, a pulsão tem seus representantes no aparelho psíquico. Por tudo isso, é justo dizer que a pulsão se encontra em uma região limítrofe entre o psíquico e o somático.

Ainda sobre a origem da pulsão, ela é de ordem interna – e não externa. Nesse sentido, é importante mencionar que não há como fugir de seus estímulos. Se eles fossem externos, haveria meios de fazê-lo. Porém, o fato de serem internos torna isso impossível.

Em sua teoria, Freud também faz distinção entre uma excitação fisiológica convencional e uma excitação pulsional. A excitação simplesmente fisiológica (não pulsional) pode ser eliminada por um ato momentâneo e único. Por exemplo, quando um indivíduo sente fome ou sono, ele pode tomar decisões que irão resolver seu problema: comer ou dormir. A fome passa. O sono também. Não é assim com a pulsão: trata-se de um estímulo contínuo e constante, que não pode ser saciado por uma ação pontual.

Ainda sobre as pulsões, é necessário destacar que elas não passam pelos filtros dos sentidos. Estímulos externos são obrigados a passar pelo filtro dos nossos sentidos e são submetidos ao julgamento da nossa consciência. Estímulos externos nunca entrarão no aparelho psíquico com liberdade total, sem restrição alguma. As pulsões, ao contrário, nascem internamente e não estão sujeitas a nenhum tipo de filtro ou restrição.

Freud também fala sobre a relação entre o aparelho nervoso e as pulsões. Ele explica que a finalidade e função do aparelho nervoso é controlar
as excitações de um indivíduo, ou seja, exercer domínio sobre elas. No entanto, é importante mencionar que esse exercício de domínio não significa eliminar essas excitações, afinal de contas, isso colocaria em risco a afirmação da vida e sua própria preservação. Assim, dominar e controlar a excitabilidade significa mantê-la em níveis mínimos. Freud explica que essa capacidade de controle vai gerar no indivíduo uma sensação de prazer.

Porém, há o outro lado da moeda: quando um indivíduo não é capaz de dominar e controlar essas excitabilidades, a sensação que ele tem é oposta, de desprazer. Quando o grau de excitabilidade de um indivíduo é alto e a capacidade de controlá-lo é baixa, o indivíduo se sentirá desconfortável.

Para um aprofundamento na compreensão do conceito de pulsão, é necessário entender os elementos que a constituem. Segundo Freud, são os seguintes:

  1. FINALIDADE da pulsão (em alemão, ziel): Outros termos utilizados em português para descrever esse elemento são metaobjetivoalvo. Isso diz respeito à diminuição da excitabilidade da pulsão em questão. É verdade que a pulsão nunca será saciada por completo, porém, ela pode ser diminuída.
  • OBJETO da pulsão (em alemão, objekt): O objeto é o meio pelo qual a pulsão pode ser satisfeita. Esse objeto é variável e, segundo Freud, não há nenhuma relação de dependência entre ele e a pulsão em si. De um lado, o objeto pode mudar de pulsão para pulsão. Do outro, para a mesma pulsão, podem ser utilizados objetos diferentes. Ainda sobre o objeto, Freud usa o termo fixação quando há uma ligação forte entre uma pulsão e um determinado objeto.
  • FONTE da pulsão (em alemão, quelle): Outro termo utilizado para descrever esse elemento é apoio. Este conceito está ligado ao processo somático de onde se originaria o impulso em questão, ao órgão ou parte do corpo ao qual o impulso está ligado (oral, anal, visual, etc.). Em relação a essas fontes (ou apoios), trata-se de algo cujo estudo extrapola o psiquismo e chega ao campo da biologia
  • INTENSIDADE da pulsão (em alemão, drang): Outro termo utilizado para descrever este elemento é pressão. Ele está ligado aos níveis de
  • trabalho e esforço que essa pulsão exige do indivíduo para que ele a controle ou a satisfaça

Freud também fala sobre os destinos da pulsão, meios como a mente lida com sua existência e com a possibilidade de satisfazê-la. Ele organiza dois grupos: o primeiro, dos destinos de representantes ideativos da pulsão:

  1. REVERSÃO AO OPOSTO: Freud cita alguns pares de opostos.
  2. Sadismo-masoquismo, castigar ou ser castigado.
  3. Exibicionismo-voyerismo, olhar ou ser olhado.
  4. Atividade-passividade, ter controle ou ser controlado.
  5. Amor-ódio
  • RETORNO em direção ao Eu: Narcisismo
  • RECALCAMENTO: Quando a satisfação de uma pulsão não é possível ou é desprazerosa, ela será levada para o inconsciente.
  • SUBLIMAÇÃO: Quando a satisfação de uma pulsão sofre um deslocamento de sua característica sexual para algo que seja melhor aceito socialmente.

O segundo grupo de destinos da pulsão é o grupo de destino dos afetos acumulados. Segundo Freud, esse grupo estaria configurado da seguinte forma:

  1. OBSESSÃO (Transformação do afeto): Fica caracterizada quando o indivíduo passa a adotar comportamentos de compulsão por higiene, saúde, simetria, organização, etc.
  2. HISTERIA (Deslocamento do afeto): Fica caracterizada quando o indivíduo passa a sofrer de algum mal físico cuja origem não está no somático, mas sim no psíquico.
  3. MELANCOLIA e NEUROSES de angústia (Troca do afeto): Fica caracterizada quando o indivíduo passa a viver em estado depressivo.

Segundo Freud, a verdade é que a pulsão sempre vai exigir satisfação imediata, um escoamento urgente. A pulsão vai agir no indivíduo como uma criança mimada, que deseja ter seus desejos atendidos de forma integral e sem demoras. É vidente que, por razões óbvias, isso nem sempre será possível.

É exatamente nesse estágio que se apresenta o sintoma. O sintoma é um acordo entre a exigência da pulsão e a possibilidade oferecida pela consciência. A consciência não pode dar vazão às exigências da pulsão, pois muitas dessas exigências são reprováveis do ponto de vista social. Além do mais, algumas dessas reivindicações também são contrárias àquilo que o eu-ideal estabeleceu para o sujeito.

Assim, diante das exigências da pulsão, a consciência fará um esforço de contra-investimento, propondo ao estímulo da pulsão um meio termo, aceitando sua reivindicação como legítima, porém, sem agir de forma socialmente inaceitável. O resultado final desse acordo é o sintoma. Trata-se de uma solução híbrida que atenderá parcialmente aos anseios da pulsão sem efetivamente entrar em conflito franco com os princípios do eu-ideal.

Autor: FERREIRA BENTES, FABIO

Referências Bibliográficas:

BIRMAN, Joel “As pulsões e seus destinos – Do corporal ao psíquico” Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2009.

HANNS, Luiz “A teoria pulsional na clínica de Freud” Imago Editora: Rio de Janeiro, 2009.


FONTE:


https://centropsicanalise.com.br/2019/02/28/ferreira-bentes-fabio-conceitos-introdutorios-sobre-as-pulsoes-em-sigmund-freud-ciclo-i-2013/

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