segunda-feira, 31 de julho de 2017

‘consciência de alteridade’


Há um culto narcisista de uma beleza exclusivamente exterior que permeia a sociedade contemporânea, infligindo danos e sofrimentos.
Não é de hoje que somos submetidos a padrões estéticos predefinidos e, sem trégua, proliferam clínicas de estética e tratamentos “antiestria”, “anticelulite”, “antiidade”, como se envelhecer não fosse simplesmente “passar”…
Sem dúvida, a vaidade e o cuidado com a saúde são temas importantes da vida, mas isso se torna um problema quando há uma supervalorização desses aspectos.
Não é raro que esse excesso de zelo com a beleza esteja a serviço de determinada evitação da realidade ou de sentimentos de frustração, dificuldades, inseguranças, feridas profundas e dores reprimidas, ignoradas.
Basta notarmos a incidência cada vez maior e mais precoce do número de casos de transtornos alimentares e depressões. Sabemos, por exemplo, que a aneroxia é algo muito presente, atingindo mulheres e homens, sobretudo adolescentes, e isso para estarem de acordo com um padrão estético propagado e que não respeita a individualidade e a pluralidade.
É nítido que, se essas patologias têm como causa dificuldades internas muito profundas, e fortemente nutridas pela normose da estética, que, aqui, chamarei “gaiola dos belos”.
Fico pensando o quanto a padronização desses atributos externos está enraizada em nossa consciência. Desse modo, nos privamos de olhar para o que realmente importa: a beleza original e que transparece na nossa aparência, revelando a singularidade da presença do Ser que habita cada um de nós!
Afinal, o que é a beleza? Sob o ponto de vista dos helenos não havia beleza cindida da verdade e da bondade.
Mas, os contos de fadas, em geral, mostram como ideal do modelo feminino princesas loiras, magras, passivas, cujo único objetivo é encontrar um lindo príncipe encantado, o ideal do modelo masculino, alguém forte, corajoso, astuto, viril, cortês etc.
E as bruxas? São más porque são feias, são feias porque são más…
Há um vetor de mudança no Ocidente?
Uma dica: Shrek (2001) – o filme  – é uma metáfora enraizada na complexidade e na visão sistêmica, pois resgata, no lugar da beleza das máscaras, a beleza expressada na multiplicidade da natureza humana e nos convida a perguntar: o que é belo? O que é feio? E se os inquisidores do mundo da moda tentarão nos impor “o bonito” e “o feio”, essa estória nos ajuda a nos desprender da padronização que nos mantêm cativos nessa “gaiola dos belos”.  
Fiona é uma princesa que carrega uma dupla natureza: é uma “princesa” e uma “ogra”. Mas, crê que sua real identidade é a de “princesa”. O ogro Shrek, por sua vez, nega sua natureza de “príncipe”, pois, aparentemente, é feio, rude e habita em um pântano. Ocorre que ambos se apaixonam e vão descobrindo a beleza de ser quem se é realmente, segundo a saudável mistura de “sombra e luz”, “princesa-e-ogra”, “príncipe-e-ogro”…
Shrek – o filme – aborda a beleza de um novo ângulo, porque considera o elo entre beleza, bondade e verdade. Por isso, reflete também sobre um novo feminino – determinado, ativo, e um novo masculino – dócil e bondoso, redesenhando as ideias sobre amor, amizade, e, sobretudo, revelando a possibilidade de se conviver com as diferenças sem o peso dos padrões estéticos, um nítido convite à consciência de alteridade e à beleza original, que faz de cada ser humano um “modelo” único.
Eugênia Pickina – Palavra Terra
FONTE:
https://cuidarseblog.wordpress.com/tag/consciencia-de-alteridade/