quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Alícia Fernández: história, fundamentos e atuação


A história de Alicia Fernández (1) se confunde com a História da Psicopedagogia na América Latina. Sabemos que a Psicopedagogia teve sua origem na Europa, chegou à América Latina por meio da Argentina, país este que influenciou diretamente o Brasil. Alicia Fernández, ao lado de Sara Paim, Jorge Visca, dentre outros intelectuais, é um exponencial na promoção da Psicopedagogia no Brasil e em outros países, colaborando diretamente com a formação de parte dos profissionais na área de Psicopedagogia por meio de produções escritas, assessoria a instituições públicas e privadas, docência em cursos de especialização latu sensu, congressos, dentre outros.

Alicia Fernández formou-se em Psicopedagogia (2) pela Facultad de Psicopedagogía da Universidad del Salvador, Buenos Aires, Argentina. Cursou Psicologia na mesma universidade, mantendo contato com a psicanálise por meio de Pichon Rivière e Bleger. Além disso, especializou-se em Psicopedagogia Clínica e em Psicodrama. Durante sua formação inicial e continuada consolidou o referencial teórico que servirá de base para suas contribuições teóricas e práticas no campo da Psicopedagogia, a exemplo da psicanálise e do psicodrama.

O currículo profissional de Alicia Fernández é extenso, demonstrando total dedicação à Psicopedagogia e a relevância de sua atuação nesse sentido.

De 1962 a 1974, após formação inicial, trabalhou como orientadora educacional junto a populações carentes na Argentina.

Realizou trabalho de assessoria em atividades psicopedagógicas em inúmeras instituições educacionais e de saúde nos estados de São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Goiânia (Brasil) e estados de Buenos Aires, Córdoba, San Juan e Rio Negro (Argentina).

Desenvolveu experiência grupal com base psicanalítica de revisão da modalidade de aprendizagem e ensino do psicopedagogo e do educador de sala de aula.

Atuou como diretora da Escuela Psicopedagógica de Buenos Aires, uma escola de Formação em Psicopedagogia Clínica, especialização latu sensu, tendo psicólogos, médicos, pedagogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos como público alvo.

É supervisora de atividades psicopedagógicas em vários hospitais públicos e privados de Buenos Aires.

Atualmente dirige a E.Psi.B.A., que originalmente se chamava Escuela Psicopedagogica de Buenos Aires. Depois do crescimento de sua abrangência passou a se chamar Espacio Psicopedagogico Brasil Argentinae atualmente, diante de sua sua permanente expansão, passou a ser o Espacio Brasileño-Argentino-Uruguayo.

É consultora em instituições de formação na Argentina, Uruguai, Brasil, Espanha e Portugal.

Enquanto pesquisadora tem realizado investigações a respeito dos “Fatores possibilitadores da aprendizagem na população com necessidades básicas insatisfeitas, projeto aprovado pelo Ministério da Saúde e da Ação Social da Argentina. De acordo com EPSIBA (2011), investiga também sobre hiperatividade e déficit de atenção na infância e, junto a Jorge Gonçalves da Cruz, coordena a investigação “Situação Pessoa Prestando Atenção” (SPPA), uma pesquisa como o objetivo de identificar as modalidades atencionais nos contextos atuais, tendendo a gerar uma reconceitualização do conceito tradicional de “atenção” e de “hiperatividade” que propicie ferramentas de reflexão e intervenção psicopedagógicas, estendidas no campo clínico e educativo. Esta pesquisa conta com a participação, em rede, de 50 profissionais residentes em diversos países de América e Europa (3).

Conforme CEPAI (2011), Alicia Fernández iniciou suas pesquisas, “por meio do trabalho de Sara Pain, dando continuidade a partir de investigações próprias, enfatizando o trabalho com grupos de crianças e adolescentes com problemas de aprendizagem. Vem realizando importantes investigações no plano da utilização de técnicas psicodramáticas com base psicanalítica”.

Notamos que suas publicações estão intimamente ligadas a inquietações que surgiram por ocasião de sua atuação profissional, a exemplo da publicação do livro “A inteligência aprisionada”, em 1987. O mesmo foi sistematizado a partir do atendimento que Alicia Fernández realizou junto à população carente em Hospital Público na Grande Buenos Aires, quando criou e dirigiu um Centro de Aprendizagem.

Em entrevista concedida no ano de 2008 à revista Direcional educador, Alicia Fernández comentou que em “A inteligência aprisionada” apresenta: “(...) fundamentos de como a família pode ser possibilitadora ou produtora de problemas de aprendizagem dos filhos, e deste modo, estruturo um modelo de diagnóstico interdisciplinar familiar, que venho utilizando em diversos países”. (FERNÁNDEZ, 2008).

Em “A mulher escondida na professora”, a referida autora fundamenta o lugar e a importância dos professores, tanto como agentes de saúde na aprendizagem, como às vezes, - ainda que sem propor a sê-lo - desencadeadores de problemas de aprendizagem”. (FERNÁNDEZ, 2008). Conforme Marangon (2008), este livro é fruto de estudo realizado entre 1986 e 1989 com crianças e jovens menores de 14 anos, motivado pelo observação de Alicia em relação ao número de casos de dificuldades de aprendizagem que atendia em seu consultório com maior incidência entre meninos. O estudo comprovou que 70% dos casos eram do sexo masculino e uma vez constato que o fenômeno acontecia noutros países, passou-se a investigar sobre o assunto.

No Brasil, além destes livros, Alicia Fernández publicou pela editora Artes Médicas: “Os idiomas do Aprendente” e “O Saber em jogo”; Por meio da editora Vozes, “Psicopedagogia em Psicodrama – morando no Brincar”.

De acordo com EPSIBA (2011), em setembro de 2011, Alicia Fernández publicou pela Editora Artes Médicas seu mais novo livro: A capacidade de atenção, editado também em espanhol (La tencionalidad Atrapada – pela editora Nueva Visión).

Para Camargo (2008) Alicia Fernández fez-se uma referência para psicólogos, pedagogos e psicopedagogos de vários países. “(...) Suas abordagens – em livros e palestras – sobre autoria do pensamento e modalidades do conhecimento enfrentam as causas mais comuns dos traumas infantis e põem em xeque as relações entre professores, pais, instituições de ensino e poder público.

Para o referido autor, uma das contribuições relevantes de Alicia Fernández, foi apresentar a Psicopedagogia “(...) como uma disciplina com um objeto próprio: a autoria do pensamento e como um acionar dirigido a sujeitos, por ela conceitualizados como "aprendente" e "ensinante".

CEPAI (2008) aponta outra contribuição de Alicia Fernández para a Psicopedagogia ao afirmar que com uma larga experiência de trabalho com famílias, grupos e instituições de saúde e educação, a autora construiu um modelo próprio de diagnóstico psicopedagógico chamado “Diagnóstico Interdisciplinar Familiar de Aprendizagem em uma só jornada” (DIFAJ), utilizando-o em diversos hospitais públicos e privados de vários países latino-americanos.

Já para Silva (2010):
Alicia Fernandez desenvolve um conceito muito importante para a psicopedagogia, o de modalidade de aprendizagem, que é uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e para conformar seu saber. É construída desde o nascimento a partir das relações familiares e situações de aprendizagem durante a vida. (...)Desta maneira a psicopedagogia olha para o sujeito em sua individualidade, mas integrado nos grupos a que pertence (familiar, social, escolar, etc...) e busca encontrar sua pecualidade como aprendente, ou seja, a modalidade de aprendizagem que lhe é própria. O que lhe interessa são as diferenças que possibilitam compreender o indivíduo como único, apesar de poder estar inserido num determinado tipo de modalidade de aprendizagem.

Finalmente, a própria Alicia Fernández, em entrevista concedida à revista Direcional Educador, em 2008, reflete sobre o conceito de autoria do pensamento ao afirmar que:
Nós, humanos, aprendemos a partir de identificações com nossos ensinantes, e somente em um ambiente familiar, e depois, no escolar e social, que nos aceite como seres pensantes. Quero dizer, que permita e favoreça nossas perguntas, dê lugar à diferença, em síntese, que favoreça a autoria de pensamento. A inteligência se constrói, a atividade de pensamento se constrói, como também a atenção e a capacidade de se prestar atenção.

Conhecendo um pouco da história e das contribuições práticas e teóricas realizadas por Alicia Fernández compreendemos a relevância de seu empenho para a formação de psicopedagogos e outros profissionais interessados pelo processo de aprendizagem, buscando instrumentos de intervenção quando as dificuldades da aprendizagem surgirem.

REFERÊNCIAS
CAMARGO, Gilson Camargo. Escrito na pele – Entrevista com Alicia Fernández. Jornal Extra Classe. Ano 13. N. 27. Setembro de 2008.Disponível em . Acesso em: 09 Dez. 2011.

CEPAI. Personalidades: Alicia Fernández. Disponível em <http://www.cepai.com.br/sobre_personalidades.php#Alicia>. Acesso em: 07 Dez. 2011.

EPSIBA. Espacio Psicopedagógico de Buenos Aires. Cursos à distância.Disponível em < http://www.epsiba.com/previewactividad.php?id=11>. Acesso em: 08 Dez. 2011.

FERNANDEZ, Alícia. Entrevista: Alicia Fernández. Entrevista realizada por Luiza Oliva em 2008. Disponível em: . Acesso em: 08 Dez. 2011.

MARANGON, Cristiane. Aprendizagem também é uma questão de gênero: entrevista com Alicia Fernández. Revista Nova Escola. 17 Nov. 2008. Disponível em: . Acesso em 06 Dez. 2011.

NOTAS
(1)   Alicia Fernández, nascida em Buenos Aires – Argentina, no ano de 1944, é filha de pai espanhol e mãe Italiana.
(2)   Na Argentina, a Psicopedagogia corresponde a uma graduação com duração de aproximadamente cinco anos.
(3)   EPSIBA (2011) apresenta uma espécie de currículo lattes de Alicia Fernández: 
·         Docente na Universidad de Buenos Aires (Pós-graduação da Faculdade de Psicologia) e Professora Titular das materias “Diagnóstico Psicopedagógico” e “Tratamento Psicopedagógico” da Universidad del Salvador (Faculdade de Psicopedagogia).
·         Docente convidada em numerosas Universidades e Associações da América Latina e Europa: Technische Universität de Berlin, Association Gree Groupe Européen de Recherche en Evaluation Education et Réadatation de Francia, Faculdade de Ciências da Educação de Lisboa Portugal, Pontificia Universidade Católica de São Paulo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Universidade de Passo Fundo, Universidade Regional Do Noroeste Do Estado Do Rio Grande do Sul, Universidad de la República de Uruguay, Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Universidad de Morón, Universidad Nacional del Comahue, Universidad Nacional de la Rioja, Universidad Nacional de San Juan, Universidad Nacional de San Luis; entre outras.
·         Fundadora e co-diretora de E.Psi.B.A. Espaço Psicopedagógico Brasileiro-Argentino-Uruguaio.
·         Coordenação de grupos de formação de profissionais das áreas de saúde e educação em diversas cidades da Argentina, do Uruguay, do Brasil e de Portugal.
·        Título Membro Honorário da Associação Nacional de Psicopedagogia do Brasil.
·         Distinção Membro de honor da Associação de Psicopedagogos de Neuquén.
·        Assessora de numerosas instituições educativas de gestão privada e assessora de atividade psicopedagógica em Hospitais de gestão pública e privada.
·         Fundadora do centro de aprendizagem do Hospital Nacional "A. Posadas", Buenos Aires, Argentina.
·        Ex Assessora da Secretaria de Educação do Município de Porto Alegre, Brasil.

O sujeito epistêmico de Piaget - 4

Questão de concurso 

Prefeitura Municipal Campina Grande, PB, 2002 
Processo seletivo para professor de Educação Básica I 

No âmbito educacional, a mudança do foco das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança, entendendo-a como sujeito cognoscente, foi promovida pelo pensamento: 


a) Inatista 
b) Marxista 
c) Crítico social 
d) Construtivista 
e) Estruturalista 

Comentário 


A alternativa correta é a D. A chave para responder à questão é entender que sujeito epistêmico, sujeito cognoscente ou sujeito do conhecimento são sinônimos - e estão associados ao pensamento construtivista de Jean Piaget. Ao tratar a produção do conhecimento como resultado da interação entre o indivíduo e o meio, Piaget concebe a criança como um sujeito ativo, criticando a escola tradicional baseada nas perspectivas inatistas ou empiristas, em que os métodos de ensino são o ponto central. Em relação às outras três concepções, a marxista defende um sistema de ensino capaz de transformar a sociedade, enquanto a estruturalista e a crítico-social aproximam-se por mostrar como a Educação atua para reproduzir (e, muitas vezes, aumentar) as desigualdades da sociedade.


Resumo do conceito

Sujeito epistêmico

Elaborador : Jean Piaget (1896-1980) 

Também chamado de sujeito cognoscente ou do conhecimento, o conceito diz respeito às estruturas mentais comuns a todos os seres humanos, que conferem a possibilidade de aprender fazendo relações entre diferentes informações (classificação, comparação, dedução etc.). Tais estruturas se desenvolvem do início ao fim da vida por meio da ação dos indivíduos sobre o meio, num processo de interação com o objeto de conhecimento e com as outras pessoas, o que possibilita a construção de níveis de saber cada vez mais complexos.
Quer saber mais?

CONTATOS 


BIBLIOGRAFIA 

A Epistemologia Genética, Jean Piaget, 136 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3293-8150, 30,10 reais 

Épistémologie Mathématique et Psychologie, Beth Evert e Jean Piaget, Ed. Puf, não publicado no Brasil, esgotado na França 

Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget, Zélia Ramozzi-Chiarottino, 104 págs., Ed. Pedagógica e Universitária, tel. (11) 3168-6077, 44 reais 

Teoria da Aprendizagem na Obra de Jean Piaget, Adrian Oscar Dongo Montoya, 222 págs., Ed. Unesp, tel. (11) 3242-7171, 29 reais


Elisângela Fernandes (novaescola@novaescola.org.br)

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 238DEZEMBRO 2010. Título original: O desenvolvimento da inteligência

FONTE:

http://acervo.novaescola.org.br/formacao/formacao-continuada/sujeito-epistemico-piaget-611940.shtml?page=3

O sujeito epistêmico de Piaget 3


Na Educação, a importância de testar hipóteses e soluções 

Outra concepção diretamente derivada da obra de Jean Piaget é a noção de que, se todos têm as mesmas possibilidades de construir conhecimento, então todos podem aprender. A essa altura, uma questão parece inevitável: o que explica as diferenças de conhecimento - por vezes tão acentuadas - entre os indivíduos? Por que algumas pessoas chegam à idade adulta com um amplo domínio dos conteúdos científicos e outras não? 

Para o grande pensador suíço, salvo nos casos de indivíduos com algum dano cerebral, a capacidade de aprender está diretamente relacionada às oportunidades de troca. A explicação para os distintos níveis de aprendizagem passa por aí: hoje sabe-se, por exemplo, que crianças que possuem contato com livros em casa chegam à escola com mais facilidade para se alfabetizar do que as que vivem em famílias que não têm o hábito da leitura. "Tais defasagens, porém, são transitórias. Se tiverem mais oportunidades, essas crianças podem perfeitamente superar as diferenças", completa Zélia.


Trecho de livro



"As coordenações de todos os sistemas de ação traduzem, assim, o que há de comum em todos os sujeitos e se referem, portanto, a um sujeito universal, ou seja, sujeito epistêmico e não ao sujeito individual." 
Jean Piaget e Beth Evert, no livro Épistémologie Mathématique et Psychologie. 

Comentário 

Para chegar ao conceito do sujeito epistêmico, Piaget investigou características comuns a todas as pessoas no processo do desenvolvimento da inteligência. De acordo com ele, "o que há de comum em todos os sujeitos" é a maneira como elas estruturam e organizam as coisas que conhecem: a capacidade de relacionar, classificar, abstrair, separar e agrupar, entre outras, que o autor chama de "coordenações de sistemas de ação". O sujeito individual, por outro lado, é único: vive em época e cultura específicas, que influenciam suas crenças e opiniões.

Elisângela Fernandes (novaescola@novaescola.org.br)
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 238DEZEMBRO 2010. Título original: O desenvolvimento da inteligência
FONTE:
http://acervo.novaescola.org.br/formacao/formacao-continuada/sujeito-epistemico-piaget-611940.shtml?page=2


O sujeito epistêmico de Piaget 2

A cada nova informação, uma constante reelaboração

APOIO PSICOLÓGICO  Em foto do ano de 1925,
Piaget (primeiro à dir.) aparece 
junto ao mestre Claparède (terceiro à dir.)
A Filosofia não foi a única disciplina com a qual Piaget dialogou. Da Biologia, o pesquisador considerou as ideias evolutivas do naturalista francês Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829). Da Psicologia, continuou os estudos pioneiros de seu mestre, o suíço Édouard Claparède (1873-1940), sobre o pensamento infantil. Armado com o conhecimento dessas três áreas (e de décadas de observação e entrevistas com crianças), o pensador suíço terminou por se contrapor a vários pontos da filosofia de Kant, argumentando que as estruturas cognitivas não nascem com o indivíduo. À exceção da habilidade de construir relações (para Piaget, essa é a única característica pré-formada no ser humano), as demais são construídas e reelaboradas ao longo do tempo. Cada nova informação atualiza não só o que se aprende mas também as formas por meio das quais se aprende. 

Um exemplo ajuda a ilustrar essa ideia. Para a Ciência, a noção do espaço (e) como resultado do produto da velocidade (v) pelo tempo (t) é uma verdade universal, expressa pela fórmula e = v X t. Mesmo quem ignora essa equação sabe que percorrerá uma distância maior num mesmo intervalo de tempo caso decida correr, em vez de andar, certo? Isso é uma forma de conhecimento, ainda que não formalizada. Já indivíduos que conhecem a fórmula podem prever a velocidade necessária para cobrir determinada distância no tempo estipulado, ou imaginar se uma equação semelhante pode explicar outros processos e fenômenos da natureza. 

O conhecimento avança, mas num processo não cumulativo 

Para o indivíduo que aprende, esse avanço de um nível de menor conhecimento para outro maior inclui o questionamento constante do que já se sabe, revendo certezas e admitindo a validade de determinadas afirmações apenas em alguns casos. Estudantes das séries iniciais, por exemplo, geralmente supõem que, ao multiplicar um número por outro, o resultado será invariavelmente maior. Entretanto, quando se deparam com os números racionais (frações e decimais menores que 1), percebem que nem sempre a regra é verdadeira. "O conhecimento não é cumulativo. Ao mesmo tempo que alguns saberes são adquiridos, outros podem ser modificados ou superados", afirma Adrian Oscar Dongo Montoya, professor da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho" (Unesp), campus de Marília. 

No terreno da Educação, a concepção de sujeito epistêmico continua válida. Contribuiu, aliás, para transformar definitivamente as ideias sobre o papel do aluno em sala de aula. Se o conhecimento nasce da interação com o meio, não é mais possível pensar numa criança que só escuta, passivamente, a exposição dos conteúdos. Estudos recentes vêm confirmando os efeitos do meio ambiente sobre o funcionamento do cérebro, assim como o valor de um comportamento ativo como motor da evolução. "Todo estudante precisa enfrentar problemas para avançar. Não adianta o professor dizer como se resolve. Faz parte do aprendizado tentar soluções e experimentar hipóteses para superar desafios", explica Lino de Macedo. 

Justamente nesse ponto, aparece outra ressalva à teoria piagetiana. Segundo alguns críticos, ele teria dado pouca atenção às interações sociais (como as que ocorrem com colegas e professores), como se para adquirir conhecimento bastasse o indivíduo interagir individualmente com o meio. "Não é isso o que Piaget defende. É um equívoco dizer que ele fechou os olhos para as trocas sociais", acredita Macedo. "A cobrança de um colega por argumentos ou o pedido para que explique melhor o que pensa sobre determinado tema faz com que o indivíduo se desenvolva. O sujeito epistêmico é um sujeito social, que compartilha e debate hipóteses", conclui.

Elisângela Fernandes (novaescola@novaescola.org.br)

FONTE:
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 238DEZEMBRO 2010. Título original: O desenvolvimento da inteligência
http://acervo.novaescola.org.br/formacao/formacao-continuada/sujeito-epistemico-piaget-611940.shtml?page=1

O sujeito epistêmico de Piaget

Para explicar como todos podem aprender e o desenvolvimento da inteligência, Jean Piaget reuniu saberes da Biologia, da Psicologia e da Filosofia no conceito do sujeito epistêmico


PENSADOR PLURAL  Piaget (em foto no seu escritório, no ano de 1976) i
ncluiu
saberes de várias áreas em sua obra
Mesmo sem ser pedagogo, o cientista suíço Jean Piaget (1896-1980) foi um dos pensadores mais influentes da Educação. Sua atualidade e repercussão na sala de aula devem-se, principalmente, ao incessante trabalho em compreender como se desenvolve a inteligência humana. Entre estudos e pesquisas, que renderam mais de 20 mil páginas, um conceito perpassa toda a sua obra: a ideia do sujeito epistêmico. Segundo Piaget, esse "sujeito" expressa aspectos presentes em todas as pessoas. Suas características conferem a todos nós a possibilidade de construir conhecimento, desde o aprendizado das primeiras letras na alfabetização até a estruturação das mais sofisticadas teorias científicas. 

Que características tão especiais são essas? "Basicamente, a capacidade mental de construir relações", explica Zélia Ramozzi-Chiarottino, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Essa habilidade permite o desenvolvimento de uma gama de operações essenciais para a aquisição do saber: observar, classificar, organizar, explicar, provar, abstrair, reconstruir, fazer conexões, antecipar e concluir - ações que, de fato, todos temos o potencial de realizar. Um esquimó, por exemplo, é capaz de diferenciar a paisagem fria e se localizar no gelo assim como um índio brasileiro sabe caminhar pela Floresta Amazônica sem se perder. Em ambos os casos, o modo de classificar (no caso, mapear) e reconhecer o espaço geográfico é o mesmo. O que muda é a coisa classificada, que varia de acordo com o meio. 

O conceito de sujeito epistêmico (leia um resumo no quadro abaixo) começou a tomar forma quando Piaget iniciou seus estudos sobre o processo de construção de conhecimentos de Matemática e Física na criança pequena. "Ele é considerado o inaugurador da epistemologia genética, teoria que investiga a gênese do conhecimento, tema que estava ausente das pesquisas até o fim do século 19", diz Lino de Macedo, também do Instituto de Psicologia da USP. Até então, as formulações sobre o desenvolvimento da inteligência eram uma exclusividade dos filósofos. As ideias de um deles, o alemão Immanuel Kant (1724-1804), tiveram grande impacto na obra de Piaget. Kant foi um dos primeiros a sugerir que o conhecimento vem da interação do sujeito com o meio - uma alternativa ao inatismo, que considerava o saber como algo congênito, e ao empirismo, que encarava o saber como um elemento externo que só podia ser adquirido pela experiência. 

Ao retrabalhar as proposições de Kant, Piaget concordou com a ideia da interação sujeito/meio - mas foi além, afirmando que o desenvolvimento das estruturas mentais se inicia no nascimento, quando o indivíduo começa o processo de troca com o universo ao seu redor. Ele também destacou a necessidade de uma postura ativa para aprender. Imagine, por exemplo, uma pessoa que more a vida inteira numa montanha. Ela pode nunca saber que existem terras baixas, planícies e vales de rio. Por outro lado, se decidir fazer uma viagem morro abaixo, vai conhecer a paisagem de seu entorno e, por meio das relações (comparação e classificação, por exemplo), vai entender que a montanha é um elemento natural diferente dos demais. "Para que o processo de estruturação cognitiva ocorra, é fundamental a ação do sujeito sobre o meio em que vive. Sem isso, não há conhecimento", completa Zélia 

Elisângela Fernandes (novaescola@novaescola.org.br)

FONTE: 
http://acervo.novaescola.org.br/formacao/formacao-continuada/sujeito-epistemico-piaget-611940.shtml