domingo, 3 de julho de 2016

A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO (Síntese)





Guy Debord (1931-1994) - Filósofo, agitador social, diretor de cinema, Guy Debord se definia como 'doutor em nada' e pensador radical. Ligou-se nos anos 50 à geração herdeira do dadaísmo e do surrealismo. A primeira edição brasileira de 'A sociedade do espetáculo' - um livro lúcido e demolidor, precursor de toda análise crítica da moderna sociedade de consumo.

CAPÍTULO I 


  A SEPARAÇÃO CONSOLIDADA


(...)O espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário — o consumo.



"(...)No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso."



"(...)O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si mesmo."
"(...) O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo."
"(...) O espetáculo é a expressão de uma WELTANSCHAUUNG (visão cristalizada do mundo).
"(...) O espetáculo constitui o modelo presente  da vida socialmente dominante."
"(...) Onde há "representação" independente, o espetáculo reconstitui-se."
"(...) O espetáculo não realiza a filosofia, ele filosofa a realidade."
"(...) O espetáculo reúne o separado, mas reune-o enquanto separado."

A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta.
Eis porque o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda a parte.


"(...) O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se toma imagem.

CAPÍTULO II
A MERCADORIA COMO ESPETÁCULO

"(...) O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social. Tudo isso é perfeitamente visível com relação à mercadoria, pois nada mais se vê senão ela: o mundo visível é o seu mundo.
(...)
Embora na fase primitiva da acumulação capitalista «a economia política não visse no proletário senão o operário» que deveria receber o mínimo indispensável para a conservação da sua força de trabalho, sem nunca ser considerado «nos seus lazeres, na sua humanidade», esta posição de ideias da classe dominante inverte-se assim que o grau de abundância atingido na produção das mercadorias exige um excedente de colaboração do operário. Este operário, completamente desprezado diante de todas as modalidades de organização e vigilância da produção, vê a si mesmo, a cada dia, do lado de fora, mas é aparentemente tratado como uma grande pessoa, com uma delicadeza obsequiosa, sob o disfarce do consumidor. Então o humanismo da mercadoria toma a cargo os «lazeres e humanidade» do trabalhador, muito simplesmente porque a economia política pode e deve dominar, agora, também estas esferas, enquanto economia política. Assim, «a negação da humanidade» é agora a negação da totalidade da existência humana.

O espetáculo é uma permanente guerra do ópio para confundir bem com mercadoria; satisfação com sobrevivência, regulando tudo segundo as suas próprias leis. Se o consumo da sobrevivência é algo que deve crescer sempre, é porque a privação nunca deve ser contida. E se ele não é contido, nem estancado, é porque ele não está para além da privação, é a própria privação enriquecida. 

(...) O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral.

(...) O espetáculo é o dinheiro que se olha somente, pois nele é já a totalidade do uso que se trocou com a totalidade da representação abstrata. O espetáculo não é somente o servidor do pseudo-uso, é já, em si próprio, o pseudo-uso da vida.

CAPÍTULO III
UNIDADE E DIVISÃO NA APARÊNCIA


(...) O agente do espetáculo posto em cena como vedeta é o contrário do indivíduo, o inimigo do indivíduo, tanto em si próprio como, evidentemente, nos outros. Passando no espetáculo como modelo de identificação, renunciou a toda a qualidade autônoma, para ele próprio se identificar com a lei geral da obediência ao curso das coisas.

(...) Deve cada um identificar-se magicamente, ou desaparecer.

As pessoas admiráveis nas quais o sistema se personifica são bem conhecidas por não serem aquilo que são; tornaram-se grandes homens ao descer abaixo da realidade da mais pequena vida individual, e cada qual o sabe. 

(...) O espetáculo não canta os homens e as suas armas, mas as mercadorias e as suas paixões. É nesta luta cega que cada mercadoria, ao seguir a sua paixão, realiza, de fato, na inconsciência algo de mais elevado: o devir-mundo da mercadoria, que é também o devir-mercadoria do mundo.

(...) As ondas de entusiasmo por um dado produto, apoiado e relançado por todos os meios de formação, propagam-se, assim, a grande velocidade. Um estilo de roupa surge de um filme; uma revista lança clubes que por sua vez lançam panóplias diversas.

A potência cumulativa de um artificial independente conduz em toda parte à falsificação da vida social.

O que o espetáculo apresenta como perpétuo é fundado sobre a mudança, e deve mudar com a sua base. O espetáculo é absolutamente dogmático e, ao mesmo tempo, não pode levar a nenhum dogma sólido. Para ele nada pára; é o estado que lhe é natural e, todavia, o mais contrário à sua inclinação.

O que o espetáculo apresenta como perpétuo é fundado sobre a mudança, e deve mudar com a sua base. O espetáculo é absolutamente dogmático e, ao mesmo tempo, não pode levar a nenhum dogma sólido. Para ele nada pára; é o estado que lhe é natural e, todavia, o mais contrário à sua inclinação.

O que obriga os produtores a participar na edificação do mundo é também o que disso os afasta. A mesma coisa que relaciona os homens libertos nas suas limitações locais e nacionais é também aquilo que os distancia. O que obriga ao aprofundamento do racional é também o que alimenta o racional da exploração hierárquica e da repressão. O que constitui o poder abstrato da sociedade constitui a sua não-liberdade concreta.

CAPÍTULO IV
O PROLETARIADO COMO SUJEITO E COMO REPRESENTAÇÃO


O desenvolvimento das forças produtivas arrebentou com as antigas relações de produção e toda ordem estática se desfaz em pó. Tudo o que era absoluto tornou-se histórico.

A crítica da economia política é o primeiro ato deste fim de pré-história: «De todos os instrumentos de produção, o maior poder produtivo é a própria classe revolucionária.»

As correntes utópicas do socialismo, embora elas próprias fundadas historicamente na crítica da organização social existente, podem ser justamente qualificadas de utópicas na medida em que recusam a história — isto é, a luta real em curso, assim como o movimento do tempo para além da perfeição inalterável da sua imagem de sociedade feliz —, mas não porque eles recusassem a ciência.

Os socialistas utópicos, ao ficarem prisioneiros do modo de exposição da verdade científica, concebem esta verdade segundo a sua pura imagem abstrata, tal como a tinha visto impor-se um estágio muito anterior da sociedade.
(...)
Toda a insuficiência teórica na defesa cientifica da revolução proletária pode ser reduzida, tanto no conteúdo assim como na forma do enunciado, a uma identificação do proletariado com a burguesia, do ponto de vista da tomada revolucionária do poder.

(...)As duas únicas classes que correspondem efetivamente à teoria de Marx, as duas classes puras às quais leva toda a análise no Capital, a burguesia e o proletariado, são igualmente as duas únicas classes revolucionárias da história, mas a títulos diferentes: a revolução burguesa está feita; a revolução proletária é um projeto, nascido na base da precedente revolução, mas dela diferindo qualitativamente.
(...) A burguesia veio ao poder porque é a classe da economia em desenvolvimento. O proletariado não pode ele próprio ser o poder, senão tornando-se a classe da consciência.

(...)
É na própria luta histórica que é preciso realizar a fusão do conhecimento e da ação, de tal modo que cada um destes termos coloque no outro a garantia da sua verdade. A constituição da classe proletária em sujeito é a organização das lutas revolucionárias e a organização da sociedade no momento revolucionário: é aqui que devem existir as condições práticas da consciência, nas quais a teoria da práxis se confirma tomando-se teoria prática.

(...)