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De acordo com os princípios filosóficos de Rousseau (1958), o homem só pode ser bom numa sociedade racional. A finalidade da educação é a reconstrução do homem, por isso mesmo, ela pode ser até ‘desnaturação’. Ela deve “dar às almas a forma racional e dirigir de tal forma as suas opiniões e gostos que sejam patriotas por inclinação, paixão e necessidade” (cap. 4, p. 605).
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Essa participação do elemento social na natureza intrínseca do modo de ser humano torna-se marca característica da antropologia fundante da compreensão da educação no século XIX, constituindo a base central do conhecimento que, nessa fase, já se constitui como conhecimento científico, graças à emergência das ciências humanas. É que, ao lado da expressão filosófica, dando-se como filosofia social ou filosofia política, as ciências humanas se instauram fundamental e preponderantemente como ciências sociais. E sob as inspirações de todos os paradigmas epistemológicos daquele momento, o pensamento teórico se manifesta enfatizando a primazia do social.
É o que podemos conferir na obra de Émile Durkheim. Na esteira da perspectiva positivista, inaugurada por Auguste Comte, Durkheim dedica todo o seu engenho em mostrar a consistência e a centralidade do social como elemento explicativo do modo de existir humano.
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De igual modo, o pensamento de outro grande profeta da modernidade, Max Weber (1864-1920), segue a mesma linha de consagração da prevalência das leis impessoais da sociedade. (...) Weber vê na ação racional, mediada pelos tipos ideais, critério da prática que independe da vontade individual dos agentes. Um sistema político e econômico que – com uma lógica própria: a da racionalidade – dita leis para o comportamento humano.
É certamente na obra de Karl Marx (1818-1883) que o caráter determinante da essência humana pelo social é mais assumido teoricamente e justificado, questionando, de vez, qualquer referência metafísica de caráter essencialista. Herdeiro da tradição dialética hegeliana, Marx e Engels (1997) vê o homem se constituindo historicamente mediante seu agir prático coletivo.
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Marx explicita a tragédia da existência histórica do homem como despossuído de sua essência pela alienação do trabalho imposta pelas ‘leis’ da produção material. E para chegar à realização de si mesmo como homem inteiramente emancipado e totalmente humano, a partir de sua condição de ser natural, de ser sensível num mundo sensível, os homens que se alienam em sua história coletiva só podem engendrar-se como homens por meio de seu trabalho humano. O trabalho, dinâmica responsável pela efetiva condição do modo de ser humano, só é realizável no contexto histórico-social. Se, de um lado, ele é o lugar da alienação, da perda da essência, ele é também o único espaço para a realização do humano. Os homens são seres ativos, práticos, produtores de objetos sensíveis, não em sua condição de gênero universal, mas em sua existência histórica e social, em sua realidade, constituída pelo conjunto de suas relações sociais. O trabalho, como força engendradora do indivíduo humano e meio de produção e reprodução da existência, pressupõe a presença efetiva dessa rede de relações sociais com um mínimo de eqüidade e liberdade, o que exige a permanente luta política revolucionária contra todas as formas históricas de opressão, numa sociedade burguesa e capitalista, hierarquizada e cristalizada em classes sociais, com interesses objetivos conflitantes. Para Marx, o homem se define em sua humanidade pela relação com a natureza e com a sociedade. Ele não é um indivíduo solitário nem um elemento avulso da humanidade em geral, mas um ser histórico e social, cujo perfil concreto é definido pelas leis provisórias de um determinado modo de produção. Marx pensa a reificação e a alienação como conseqüências de modos históricos de produção e não como determinações essenciais do homem em geral, pois aceitar isso seria recair na reificação e na alienação. A concreta realidade humana não é resultante nem da realização da Idéia ou do Espírito Absoluto (Hegel) nem da consciência racional dos homens, de suas vontades puras e reflexões abstratas (Metafísica clássica e Idealismo moderno), mas do real movimento histórico das forças produtivas, desencadeado e sustentado pelos homens a partir das contradições permanentes que devora suas entranhas.
Essas grandes sínteses filosóficas, aqui apenas tangenciadas, produzidas por Marx, Weber e Durkheim, em que pesem as diferenças de seus pontos de partida e de apoio, têm um ar de família e a grande referência comum é a marca fundante do social na constituição da efetiva realidade do ser humano, contrapondose os três pensadores, de forma radicalmente igual, a toda pretensão metafísica. Com essa incisiva afirmação da centralidade nuclear da prática social, manifestando-se historicamente, a presença das contribuições desses pensamentos, feitas todas as necessárias ressalvas, tornou-se elemento de todas as ciências humanas e de toda filosofia crítica da atualidade.
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Tanto quanto os antigos e os medievais, os pensadores modernos vão aproximar verdade e bem, aproximando o conhecimento racional da prática educacional. Só que agora a razão é tomada na sua condição de potência natural, atuando por conta própria sem qualquer intervenção de ordem sobrenatural. O homem volta a ser a medida de todas as coisas e não mais Deus. Esse antropocentrismo radical, colocando o homem racional no centro e na direção de um mundo desencantado, laiciza o olhar e o agir das pessoas. Isso dá uma outra dimensão para a vida social e para as instituições políticas, modificando profundamente o sentido da educação. Nesse momento, para se formar bem o indivíduo, é preciso considerar a sociedade estruturada como condição substantiva do existir humano. O homem não pode ser eticamente bom, contando apenas com uma eventual coerência com os valores de sua subjetividade e muito menos com a obediência a preceitos divinos sobrenaturais. Antes, precisa integrar-se adequadamente à sociedade, à pólis. E antes de mais nada cabe à educação propiciar, de modo sistemático, as condições para essa integração. Inserção não mais à ‘cidade de Deus’, mas à ‘cidade dos homens’. Por isso mesmo, a educação passa a assumir, ao longo da Modernidade, o caráter de uma ação e de uma prestação pública, definindo-se como mediação própria para a constituição da cidadania. E seu grande instrumento é o conhecimento racional. Não mais o conhecimento metafísico das essências das coisas, mas o conhecimento científico dos fenômenos naturais, única e exclusiva manifestação do real. E agora a Filosofia, de serva da Teologia que era na Idade Média, passa a ser ‘serva da ciência’, exercendo-se fundamentalmente como reflexão metacientífica.
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Educação e formação cultural na contemporaneidade
Esse panorama está em processo de mudança, agora, na contemporaneidade. Uma nova forma de se compreender a educação: nem mais sob a prevalência de uma teleologia ética nem mais sob a perspectivação política. Tanto a ética como a política estão sendo questionadas como referências básicas da educação.
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Essa nova orientação vem sendo designada de filosofia pósmoderna ou pós-estruturalista, substrato filosófico de uma possível nova era histórico-cultural: a pósmodernidade.
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Com efeito, é possível identificar nas formulações da Teoria Crítica, da Escola de Frankfurt, as referências históricas e teóricas dessa inflexão que marca a entrada da cultura e da filosofia ocidentais na era contemporânea. Cabe atribuir-lhe, com toda legitimidade, esse papel, pois foi dela a iniciativa histórica de apresentar, de forma sistemática, o balanço inaugural de toda a produção filosófico-científica da modernidade, deslanchando um acerto de contas que ainda não terminou e que ainda continua sendo retomado e prolongado na atualidade. Não é por acaso que a filosofia frankfurtiana nasce e se constitui como diálogo, competente e crítico, com as heranças do positivismo, do neokantismo, do hegelianismo e do marxismo.
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Minha idéia é de que as posições teóricas elaboradas pelos pensadores frankfurtianos, particularmente por Adorno e Horkheimer, inauguram uma concepção diferenciada da educação, que não se expressaria mais nem como formação ética do sujeito pessoal nem como formação política do sujeito coletivo, mas como formação cultural, conceituada como realização antropológica tout court , sem qualquer adjeti-vação de qualquer natureza. E no rastro dessa idéia originante, a grande maioria das manifestações da filosofia contemporânea vai avançando no sentido de se conceber essa formação como a própria substância da educação.
(...) O núcleo de verdade do novo conceito de educação se expressa, pois, como a própria formação do sujeito.
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O sentido aqui é exatamente aquele da constituição do sujeito que não tem molde onde se encaixar, para se enquadrar, medidas para se medir. Um sujeito totalmente contingente, com muito precárias referências históricas para se guiar em sua existência. Precisa ser, ou melhor, vir-a-ser sem que caminhos precisos estejam previamente traçados.
Igualmente o conteúdo cultural, no contexto ora em questão, não denota apenas sua significação de ilustração, de erudição literária, de performance artística etc., mas envolve todas essas dimensões desde que elas estejam articuladas na experiência vivenciada da auto-reflexão crítica, na autonomia do sujeito humano como praticante do exercício público da racionalidade, uma vez superados os limites da liberdade impostos pela semicultura (Pucci, 1995), ou seja, é culturalmente formado, portanto educado, o homem que dispõe do esclarecimento, com o qual se identifica, pois, a própria educação.
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O compromisso da educação é com a desbarbarização, é transformar-se num processo emancipatório, no qual ocorra uma luta sistemática pela autonomia, pela emancipação. E sua única ferramenta é o esclarecimento que se constitui como passagem do inconsciente para o consciente, do não ciente para o ciente, do pseudociente para o ciente. O esclarecimento ilumina e elimina.
Na perspectiva da Teoria Crítica, o papel da educação é o de assegurar a sobrevivência da formação cultural numa sociedade que a privou de suas bases. É que a industrialização cultural comprometeu essa formação. Cabe aos processos educativos investir na transformação da razão instrumental em razão emancipatória. Por sua vez, a educação pode viabilizar-se, garantindo-se sua fecundidade formativa, se se constituir como exercício da auto-reflexão crítica. Trata-se, para a educação, de produzir uma consciência verdadeira.
Trata-se de uma formação imanente do sujeito da história real da desalienação na história presente, alienada. É que na sociedade industrializada do capitalismo, a educação crítica do indivíduo, base de sua formação emancipatória, encontra-se travada, realizandose apenas como adaptação, ou seja, como semiformação (Adorno,1995), travamento da experiência emancipadora.
A qualificação essencial da educação emancipadora encontra-se na dissecação visceral do nexo entre dominação e racionalidade. A educação crítica só pode realizar-se como reconstrução crítica da racionalidade social, revelando a deformação que produz em face de sua reificação e conduzindo-a a uma clara exposição de suas contradições e, por essa via, apreendendo nela as possibilidades alternativas. Momento de transformação da subjetividade destituída de experiência formativa (Maar, 1995).
Conclusão
Tendo em conta a insustentabilidade das referências ético-políticas das tradições metafísica e iluminista, o novo conceito de educação, que vem sendo forjado no contexto da contemporaneidade – questionadas a universalidade, a transcendentalidade e a apoditicidade dos valores –, vai partir da condição de contingência imanente do próprio sujeito. A proposta possível de sua educação é aquela de sua própria formação como sujeito cultural. Por isso mesmo, no que concerne ao conceito da educação, tal qual vem sendo constituído, a referência passa a ser, não mais a antiga ética, ou a recente política, mas uma nova estética. Não há mais valores éticos referenciais
nem muito menos consígnias políticas válidas, conta apenas o novo sentir bem dos sujeitos humanos. Sem dúvida, o cenário da cultura atual é complexo. Sobrevivem e convivem os diversos paradigmas filosóficos a inspirarem as buscas da Filosofia da Educação. Particularmente, faz-se ainda muito forte a marca de uma concepção tecnofuncionalista da educação, colocando-se em nome da ciência e de seu poder tecnocrático, numa ponta do espectro, enquanto que na outra ponta agiganta-se a perspectiva estetizante. Curiosamente, esses extremos se tocam e acabam tendo uma paradoxal convivência com um nível de tolerância recíproca muito mais harmonioso do que com a esfera dos paradigmas éticos ou políticos. No entanto, na verdade, a exacerbação estetizante é mesmo resultante do impulso da radicalidade da crítica à razão instrumental. Sua verdade está na afirmação de que uma nova referência para a educação precisa ser levantada e que nela não se faça ausente a dimensão estética do existir. Entretanto, essa dimensão estética é apenas uma parte do todo, sem dúvida aquela cuja visibilidade é de mais fácil percepção e que, por não ter sido devidamente considerada pela tradição filosófico-educacional, agora faz sua reivindicação de forma mais ruidosa e, às vezes, até mesmo acintosa. A idéia de formação cultural dá à educação uma finalidade intrínseca de cunho mais antropológico do que ético ou político, num sentido estrito. Até para transformar os indivíduos em pessoas éticas e políticas, a educação precisa efetivar-se como formação cultural. No entanto, em si mesma, a educação não tem como garantir, diretamente, que as pessoas se tornem éticas – ela é uma experiência eminentemente pessoal –, nem como metanoia assegurar o aprimoramento do social – a revolução política é uma experiência exclusiva do sujeito coletivo em sua especificidade.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, trabalho e Cidadania: a educação brasileira e o desafio da formação humana no atual cenário histórico. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010288392000000200010&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 24 ago. 2009.
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